Em Oakland, “Last Chance U” fecha passagem pelo FA com chave de ouro

John Beam, técnico do Laney Eagles (Foto: Netflix)

Last Chance U” é a melhor série de futebol americano disponível (sem ilegalidades) no streaming para o fã brasileiro e “falo com tranquilidade”, como diria Julinho da Van. De malas prontas para cobrir o basquete – se a pandemia permitir –, a produção da Netflix se despede da bola oval em grande estilo depois de cinco temporadas.

As duas primeiras foram com o EMCC Lions, de Scooba, as duas seguintes cobriram o ICC Pirates, de Independence, e a saideira fica a cargo do Laney Eagles, time de Laney College, em Oakland – uma mudança brutal que impacta no que vemos neste 5° ano da série. Todos fazem parte da NJCAA*.

A NJCAA é a NCAA das “community colleges”. Fazem parte dela 525 instituições, divididas em 24 regiões dos EUA. Uma “communiy college” ou “junior college” é uma instituição de ensino superior de dois anos, de onde os estudantes geralmente saem para tentar ingressar em uma universidade para conseguir um bacharelado de quatro anos. Costuma ser mais barato, mas o ensino é mais básico.

Campeões da CCCAA (California Community College Athletic Association) em 2018 e sob o comando do “melhor técnico do ano” da CCCAA, os Eagles são o time a ser batido na Califórnia – lembrando que a temporada de 2019 é o foco aqui.

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Embora a 5ª temporada mantenha os elementos que fazem “Last Chance U” ser “Last Chance U”, a ida para uma cidade como Oakland – 624 vezes maior do que Scooba, em termos de população – traz mais novidades do que vimos entre a 2ª e a 3ª temporada, a começar pela abertura: sai a banda marcial, entra um baterista.

Oakland é um personagem onipresente ao longo dos oito episódios, que inspira amor e ódio dos protagonistas da série. Enquanto alguns dizem que nunca deixariam a cidade, outros afirmam que o processo de gentrificação está empurrando as pessoas que dão a identidade à Oakland cada vez mais para longe dela, e esta é uma questão que é sentida na pele pelos atletas.

Ao contrário de EMCC e ICC, Laney College não tem um alojamento, e morar perto da faculdade é um luxo que muitos jogadores não têm como bancar. Morando em cidades vizinhas, eles conciliam esporte, estudos e trabalho para ter um teto, o que nem sempre é possível – ao menos um dos jovens dorme no próprio carro, já outro conta que faltou às aulas e treinos porque não tinha dinheiro para pagar a gasolina. “Try harder, that’s Oakland”, diz um sujeito que iremos falar a respeito a seguir.

>>>> O “poderoso chefão” de Oakland

O grande nome da temporada final de “Last Chance U” na bola oval e maior responsável por dar uma leveza à série que Buddy Stephens e Jason Brown nunca fizeram questão é John Beam, o “poderoso chefão do futebol de Oakland” (créditos para o jornal Times-Herald, de Vallejo, na Califórnia)

Com 40 anos de experiência, oito deles como técnico principal dos Eagles (58-31), e o bigode – só que mal aparado – de Andy Reid, Beam é retratado como uma lenda local. Antes de Laney, ele dedicou 22 anos aos Titans do Skyline High School, onde venceu 160 jogos, perdeu 33 e empatou três. John afirma que recusou propostas da D-1, a primeira divisão do esporte universitário, porque tem uma dívida com Oakland.

Protagonistas do 5° ano de “Last Chance U” (Foto: Instagram/@lastchanceu)

Voltando à série, o que difere Beam de Buddy e Brown é a maneira como ele conduz os problemas. O treinador adota o tom de “paizão” até na hora do arranca-rabo, dizendo para um coordenador que o “jogador dele” precisava melhorar, ao que o coordenador rebate: “Meu jogador, não, NOSSO jogador” – igual pai/mãe que diz “seu filho” quando a criança faz algo errado.

É a primeira vez em “Last Chance U” que vemos um treinador falar da saúde mental dos jogadores e dizer que muitos têm transtorno de estresse pós-traumático por conta de passados de violência e abuso. Beam tenta ser um bom ouvinte e não hesita em colocar os atletas em contato com a esposa, Cindi, que é terapeuta: “Ela enxerga as coisas de uma forma diferente, ela nunca enxerga o lado ruim da pessoa, a não ser no nosso atual presidente”. A simpatia que você cria pelos Beam é natural – e John ainda solta a piada da série ao reclamar de uma falta com o árbitro e relacioná-la a um stripclub.

>>>> Os Eagles de Oakland

Laney Eagles (Foto: Netflix)

Uma grande diferença em relação a EMCC e ICC é que Laney não parece ser chamariz de grandes prospectos que saíram da D-1 ao caírem em desgraça e buscam redenção. Em sua maioria, os Eagles são formados por jogadores que veem no esporte a chance de uma vida melhor, mas que não têm bolsas escolares nem necessariamente o talento para atuar na elite

Em Laney nós seguimos os passos dos wide receivers R. J. Stern e Dion Walker-Scott, do OL Nu’u Taugavau e do cornerback Rejzon Wright. É impossível ter tempo de tela para 50 e tantos nomes, então é natural que os produtores se concentrem nas histórias que eles acreditam serem as melhores.

Taugavau tende a ser aquele para quem todos torcem. O center se demitiu do Walmart para jogar e tentar uma bolsa em uma universidade, enquanto a esposa trabalha à tarde e estuda à noite para sustentá-los e ajudar a pagar o aluguel da casa onde eles moram com as duas filhas e os pais de Nu’u. Quando não há com quem deixar as crianças, elas vão junto com ele para os treinos.

Rejzon talvez seja o atleta mais talentoso do grupo. Ele quer seguir os passos do irmão, que foi treinado por Beam e conseguiu uma vaga na D-1, com o Oregon State Beavers, mas, como o próprio técnico define, ainda não conquistou o direito de ser tão marrento. O defensor e o treinador compartilham um bonito momento em um dos jogos.

Por fim, Dion e R. J. são os que guardam as histórias que te fazem afundar no sofá.

Logo no início da temporada, os Eagles perdem os três QBs e decidem improvisar com Dion, que jogou na posição no colégio. Com a responsabilidade de liderar o ataque e a preocupação de não ter VTs o bastante como WR para tentar uma bolsa, o recebedor transformado em quarterback tem uma crise de ansiedade.

Dion carrega uma série de traumas da infância causados pelo pai, que aparece na série e meio que confirma o que o filho diz, procurando justificar o que fez com argumentos como “eu fui da Marinha” e “nesta casa não há espaço para dois leões”. Uma das cenas mais duras de toda a temporada é ver o WR contar que está morrendo de fome e que tem apenas US$ 5 na conta.

Com R. J. a situação parece um pouco melhor. Após o jovem abrir a casa onde vive com os tios-avós, ficamos sabendo que sua avó era uma famosa escritora norte-americana, autora de um grande best-seller… Parece bom, certo? Só que ela abusava dos filhos e permitia que o marido estuprasse crianças.

“Tive um avô que achava que pedofilia era legal”, conta o camisa 6 dos Eagles. “Morando no inferno”, como sua mãe afirma, Stern vive no quarto e busca desesperadamente por jogadas que garantam o passaporte para longe dali – a tia-avó diz que é preciso separar a escritora da mulher pedófila.

>>>> Fumble ou touchdown?

“Last Chance U” nos deu cinco bons anos de futebol americano (Foto: Esquire)

“Last Chance U” é um touchdown gigantesco da Netflix. Sou suspeito para falar, mas a série encontrou um ritmo e uma identidade logo no primeiro ano e nunca mais precisou se desviar disso. A curadoria de Greg Whiteley, criador da série, e equipe é louvável.

Laney foi uma escolha certeira para o 5° e último ano na série no futebol americano. Os dramas dos jogadores vão da fome às noites sem uma cama, do pai assassinado ao que fazia do bullying seu modo de ensino, dos avós pedófilos à tia-avô que faz vista grossa aos abusos… Beam intimida e grita quando as coisas dão errado, mas é reconfortante ver alguém que genuinamente aparenta estar preocupado com o futuro desses jovens como Brittany Wagner, a Mrs. Wagner, estava em EMCC, não importa o tamanho dos obstáculos que eles enfrentam.

Beam não tem planos de deixar Oakland e os Eagles. Ótimo.


>>>> Assista ao trailer da 5ª temporada de “Last Chance U”: